Se todos os dias são iguais, torne-se diferente

Yvonne

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Brasileira, ariana nascida no Rio de Janeiro, morando atualmente em Guarapari, mulher, esposa e mãe. Gosto de artes em geral, de ler, de trocar idéias, de praia, de cinema, de tomar cerveja e de dar boas gargalhadas.

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MAMMA MIA

Amigos,

Já falei para vocês que aqui em Guarapari dificilmente passa filmes que eu gosto. Para ser sincera, não é que eu não goste, mas certos filmes eu não perco o meu tempo em vê-los no cinema. Fico aguardando o DVD ou passar na televisão. Ainda assim, as minhas opções são pouquíssimas. Pois bem, Mamma Mia foi exibido aqui e eu fui correndo ver com a minha filhota. Como perder um musical tendo Meryl Streep, a mais improvável das atrizes para fazer um filme desse tipo? Como não ver um filme que é quase uma ópera com músicas do ABBA? Por essa razão, gostaria de tecer alguns comentários.

Não vou dizer que perdi meu tempo e dinheiro, mas fiquei um pouco decepcionada com a direção do filme. Os atores trabalharam o tempo todo excitados, como se estivessem numa das fases de um transtorno bipolar. Todo mundo feliz da vida, correndo, dançando e cantando. Sim, já sei, é um musical. Ainda assim, tem um momento em que as pessoas se sentam para falar que o céu está nublado. No filme, ninguém fica um segundo "sóbrio", digamos assim. Parece que todos cheiraram cocaína e têm que ficar extasiados. No final, eu já estava esgotada, morta de cansaço só de ver aquele povo dançando o tempo inteiro. Diria que devo ter perdido uns vinte quilos, só de ver tanta alegria, mas deixa para lá. Ainda assim, valeu a pena.

Quando tocou Dancing Queen, fiquei chorando o tempo inteiro. Ela é especial para mim, porque foi a senha para eu dizer para o meu irmão que eu sabia e aceitava o fato de ele ser gay. Numa noite, eu disse a ele que queria ir a uma boate gay cujo DJ tinha recebido o prêmio de o melhor do Rio de Janeiro. O nome da discoteca era Sótão e ficava na Galeria Alasca, um reduto, naquela época, de toda a marginalia de Copacabana, quer homo ou hetero. Ele me levou lá e me apresentou aos seus amigos. O mais gostoso de tudo é que eu, que nunca fui boa dançarina, tive tratamento de rainha e fiquei dançando esplendorosa no meio de um monte de homens. A música "Dancing Queen" não estava mais na moda, mas ela tocou e eu dancei. Voltamos para casa e a partir daquele instante, toda uma vida ficou acertada entre nós. Ele não comentou nada e eu muito menos pedi explicações. Meu irmão é muito reservado e ficamos combinados assim. Esse estranho silêncio e combinação só terminou quando meu marido resolveu jogar merda no ventilador (no bom sentido) e deu nome aos bois. Apesar de ser quatro anos mais velho que o meu irmão, esse o tem como pai. Agora, conversamos sobre tudo, até mesmo sobre aquele ladinho nosso que ninguém deve conhecer.

Bom, meu irmão já não é mais gay. Não, fiquem tranqüilos, ele não participou de nenhum ritual evangélico que promete resolver o seu problema em dois dias. Ele não é mais gay, porque teve a maldita da AIDS que simplesmente levou todos os amigos dele. Restaram pouquíssimos e ainda assim, esses poucos morreram de outras doenças. Ele começou a se sentir um pé frio e o pior disso tudo é que ele sofre de uma doença pouco conhecida que se chama "Por que só eu estou vivo, enquanto todos os demais morreram?". Quem perdeu toda a sua família numa guerra e conseguiu sobreviver sabe bem do que eu estou falando. Tive oportunidade de conhecer uma senhora judia que nunca se conformou por ter sido a única da sua família que estava viva. Ela não se suicidou sabe Deus como, mas sempre quis morrer para se encontrar com os seus. Meu irmão simplesmente resolveu acabar com a sua vida sexual. Eu torço para que ele arrume um companheiro, mas nessa altura do campeonato tá meio difícil. Ele, antes tão feliz, agora é uma pessoa amarga. Saudades do Augusto, do César, do Lino, da Verônica, do Carlos, do Luís e tantos outros. Amigos que fiz por intermédio do meu irmão e que hoje não vivem mais. Todo mundo morto na flor da idade.

Me dei conta também de um outro fato. Vocês sabem que eu sou filha de maranhense com francês e recebi todo tipo de influência dos dois lados. Aprendi não só a língua francesa, como também a história e civilização daquele país. Me sinto brasileira de todas as formas, mas não posso renegar que eu sou francesa também. Meu pai fez um monte de promessas para mim durante a minha infância. Uma delas é que eu estudaria na Sorbonne e eu acreditei nessa história até os meus doze anos. Depois é que me dei conta de que tinha embarcado no sonho errado e corri atrás da minha vida com recursos tupiniquins. Ainda assim, ao ver o filme com canções do ABBA, um conjunto sueco e que fez um imenso sucesso na minha única viagem para a Europa, eu me dei conta de que eu fui privada de um monte de experiências e vivências interessantes que me foram passadas pelos meus avós paternos. Essa viagem durou três meses, sendo que dois eu fiquei na França. O que são sessenta dias para alguém que é 50% francesa? Eu nunca moraria lá, porque eu só sei fazer declarações de amor em Português, mas queria ter vivido um período junto com os meus outros "iguais", inclusive para ter curtido mais os meus avós no período que eles ainda estavam vivos e não moravam mais aqui. Teria sido uma maravilha.

Pois é, nunca pensei que um filme pudesse ter trazido tantas emoções, mas foi o que aconteceu. Apesar de ter um monte de músicas chatas e melosas, eu sempre gostei desse conjunto que soube aproveitar o estrelato e saiu por cima, quando ainda podiam ter feito mais sucesso. Foi gostoso.

Beijocas
Yvonne