Se todos os dias são iguais, torne-se diferente

Yvonne

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Brasileira, ariana nascida no Rio de Janeiro, morando atualmente em Guarapari, mulher, esposa e mãe. Gosto de artes em geral, de ler, de trocar idéias, de praia, de cinema, de tomar cerveja e de dar boas gargalhadas.

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1968, O ANO QUE TERMINOU


Amigos, vou postar hoje (domingo) porque farei uma pequena viagem amanhã à noite e só retornarei na próxima sexta-feira. Logo, a partir de terça-feira, ficarei uns dias longe de vocês quer postando ou escrevendo os meus habituais comentários nos blogs que eu amo. Como estou totalmente sem inspiração para escrever, vou mais uma vez lançar mão de um texto antigo e que diz respeito aos anos de 1968 e 1969 que foram uns dos divisores de água da minha vida. Mesmo com alguma tristeza, esses dois anos foram muito especiais para mim e me deram imensas alegrias e é por esse motivo que eu tenho todas as emoções vividas guardadas no meu coração em lugar de honra. Vejamos:

Dezembro de 1968, finalmente o Ginásio iria terminar. Foi o meu mais feliz ano ginasiano, pois os três primeiros foram terríveis. Eu, um ano mais nova que a maioria dos alunos, sempre fiquei a margem dos grupinhos, por ser muito boba, muito tímida, CDF, com nível cultural acima da média e o pior: mal ajambrada, sem graça e cheia de espinhas no rosto. Era um horror. Entretanto, a partir de 1968, o meu colégio resolveu usar algum critério para juntar os alunos em sala de aula e eu finalmente fui parar em uma turma com o meu perfil.

Nesse meio tempo, com num passe de mágica, fiquei bonitinha após os meus 14 anos e os rapazes começaram a me olhar. Que maravilha! Até que enfim eu estava sendo paquerada, só que nada acontecia porque a timidez era muito grande e eu não conseguia abrir a boca nem para dizer oi. Só falava com os meninos da minha rua e do meu colégio, o resto nem pensar, mas ainda assim era muito bom ser admirada.

No entanto, tudo que é bom dura pouco e o ano letivo acabou. Foi uma verdadeira diáspora, uns foram fazer Científico, outros o Clássico, a grande maioria das meninas foi para o Instituto de Educação para serem normalistas, muitos garotos foram para a Escola Técnica Federal e eu fui a única que permaneceu na mesma escola para fazer o Curso Técnico de Contabilidade. O Científico foi feito em outro colégio. No dia da formatura, eu não fiz outra coisa a não ser chorar, aliás, todo mundo chorava. Por uma feliz/infeliz coincidência, nesta época estava passando o filme "Ao Mestre com Carinho" e a música-tema do filme cantada por Lulu falava exatamente sobre um momento assim, se não me falha a memória a letra começava com: "The time has come to close the books...".

Quando a festa acabou e eu voltei para casa já estava com quase quarenta graus de febre e assim permaneci por vários dias. Minha mãe entrou em pânico e rapidamente decidiu que iríamos passar o Natal e o Ano Novo em Brasília, na casa dos meus avós franceses. Fomos para lá, mas a tristeza não me abandonava. A capital federal em nada ajudava pois era um lugar muito atrasado naquela época e a vida social dos meus avós era praticamente nula. Logo, nossos passeios eram sem graça, em locais que só tinha gente esquisita.

Mas o pior ainda estava por acontecer - o AI5. A vida das pessoas virou um inferno, em todos os lugares aonde íamos tínhamos que mostrar documentos. A cidade toda tomada por soldados da PE, na época chamados de catarinas, por serem quase todos rapazes de SC, louros e altos. Um deles ficou na porta da casa do meu avô e ao sairmos ou voltarmos de algum lugar, tínhamos que mostrar documentos de novo (os adultos). Meu avô, um homem que falava pelos cotovelos contra o governo da Revolução, foi informado de que iria perder a naturalidade brasileira. Ele trabalhava na NOVACAP e tinha um ano para resolver a sua vida e voltar para a França. Até que foram gentis, mas tinham que ser, pois ele era um velho que nada fazia, só falava. Além disso, pesava contra ele o fato de ter sido um pioneiro que fez parte da equipe de um notório comunista.

Logo, toda uma história da minha vida estava prestes a terminar juntamente com o Ginásio. Ainda assim, comemoramos o Natal e o Ano Novo, mas o ambiente não era mais o mesmo. Eu e meu irmão perdemos o pai com a separação e agora iríamos perder os avós.

Meus avós paternos e meu avô materno foram as pessoas mais importantes da minha vida, depois da minha mãe e do meu irmão. Meu pai nunca se importou conosco e a minha mãe não era uma pessoa de muitas palavras, então era com eles que eu conversava. Como eu sempre fui uma pessoa interessada em artes e literatura, os meus avós eram tudo que alguém poderia querer. Mesmo com esse ambiente triste, conversávamos horas a fio sobre tudo, meu avô me deu um livro para ler que é uma obra-prima: a vida de Beethoven traduzida por Vinícius de Moraes. Li e reli trezentas vezes aquela famosa carta "À minha amada imortal". Escrevi o texto em um papel e conservei comigo por anos a fio, só joguei fora recentemente porque o papel estragou. Foi um mês triste, mas fértil.

Voltamos para o Rio e eles começaram a preparar o retorno para a França. Nos vimos diversas vezes no ano de 1969 e eu e o Guy fomos passar as férias de julho com eles, seriam as últimas. Até que o tempo dado estava acabando e eles foram embora em novembro. Lembro-me muito bem, eles foram de navio. Nós no cais do porto dando tchau e eles dentro do navio, todos chorando. Meu irmão nunca mais os viu, eu nunca mais vi a minha avó e o meu avô eu o reencontrei 10 anos depois por ocasião de uma viagem que fiz a Europa, mais velhinho ainda com mal de Parkinson.

Zuenir Ventura escreveu um maravilhoso livro chamado "1968 - O ano que não terminou", eu diria que terminou sim. Acabou com uma série de papos maravilhosos que eu poderia ter tido com os meus avós, acabou com a minha família por parte de pai, mas a vida continua e eu nunca me senti infeliz por causa disso, só um pouco nostálgica com essa perda. Todos esses fatos me fizeram ser a pessoa que eu sou hoje, só tenho a agradecer a Deus por ter tido esse maravilhoso convívio, ainda que tenha acabado dessa maneira.

Beijos

Yvonne

Em tempo: Os nomes dos meus avós são Camille Yvonne Alice e Marcel Edmond, os queridos Vovô Marcel e Vovó Yvonne ou ainda quando eu era bem pequena: Pepê e Memê.