Se todos os dias são iguais, torne-se diferente

Yvonne

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Brasileira, ariana nascida no Rio de Janeiro, morando atualmente em Guarapari, mulher, esposa e mãe. Gosto de artes em geral, de ler, de trocar idéias, de praia, de cinema, de tomar cerveja e de dar boas gargalhadas.

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O SORRISO DE LUÍS FERNANDO




1968 e eu tinha 14 aninhos bem complicadinhos, cheia de timidez, com grande dificuldade de me relacionar com os "rapazes", porém cheia de amores platônicos. Um desses amores foi um rapaz que estudava no Colégio Zaccaria. Eu no ginásio e ele no segundo grau. Pegávamos o mesmo ônibus - 572 Largo da Glória-Leblon. Eu morava no Humaitá e quando entrava no ônibus, ele já estava dentro. Era uma algazarra danada, cheio de adolescentes indo para a escola, ele quieto, sem fazer bagunça. Ele era branquinho, de cabelos e olhos castanhos, não muito bonito e com o rosto cheio de espinhas, mas eu achava ele lindo. Por causa de um romance, eu dei a ele o nome de Luís Fernando.

Naquela época as meninas não tinham agenda para escrever suas besteiras, mas eu tinha um caderno que contava todos os momentos do meu romance. Escrevia tudo o que eu gostaria que existisse, os papos que levávamos, as brigas, as reconciliações, tudo fruto da minha imaginação porque eu nunca troquei uma palavra com esse rapaz.

Até que um dia eu saí mais cedo peguei o ônibus para ir até o ponto final do Leblon para depois ir na direção do Largo da Glória, eu precisava descobrir onde ele morava, era um dado que faltava ao meu romance. No Leblon mesmo, perto da Rua Bartolomeu Mitre ele entrou no ônibus e quando me viu deu um dos sorrisos mais lindos do mundo, até hoje eu tenho essa imagem gravada na minha cabeça. Eu sorri de volta e ficamos assim por todo o percurso. Como eu saltava antes dele, no Largo do Machado, dei mais um sorriso de despedida. Só que eu não reparei que a rua estava deserta, tirando eu e os desavisados que desceram no ponto comigo, não tinha mais ninguém, mas ainda assim não estava preocupada com nada, estava muito feliz.

De repente, sem quê nem mais, apareceram uns soldados correndo atrás de mim e de outros alunos. Levei uma pedrada tão violenta no quadril do lado esquerdo que o sangue começou a escorrer pela perna, mas ainda assim eu não caí e continuei correndo feito uma maluca em direção ao meu colégio. Lá chegando, a diretora abriu o portão e nos puxou para dentro. Não satisfeitos, os soldados jogaram gás lacrimogêneo em cima dos alunos acuados e amedrontados, até que essa mulher em um rasgo de coragem saiu da escola e botou todos aqueles homens para correr. Ela foi uma leoa enfurecida defendendo suas centenas de filhotes. Convém esclarecer que o Colégio Amaro Cavalcanti não tinha, naquele tempo, segundo grau no turno da tarde, era apenas ginásio. Então, toda essa macheza dos soldados foi em cima de alunos com no máximo 15 anos.

Confusão instalada, crianças passando mal por causa do nervosismo e do gás, eu com a perna esquerda banhada em sangue, um caos total. Logicamente as aulas foram suspensas e assim que os soldados foram embora, fomos dispensados. A diretora ligou para a minha casa e o meu avô foi me buscar de táxi. Na hora de ir embora, ela me disse que se eu quisesse poderia ficar em casa por uns dias. Quando eu me lembrei que eu não veria o "Luís Fernando", respondi que não, no outro dia estaria na escola normalmente. Gente, nada daquilo me abalou, eu só pensava no sorriso dele.

E assim foi, no outro dia estava lá no ônibus e voltamos a trocar sorrisos, mas nunca ele se aproximou de mim, a nossa timidez era qualquer coisa de impressionante. Eu não tinha coragem de falar nada e ele também. Esse festival de sorrisos foi até o final do ano letivo e não deu em nada, mas acreditem, esses momentos aqueceram muito a minha existência e me fizeram muito feliz. O meu uniforme era impecável, a blusa e as meias imaculadamente brancas, o cabelo sempre liso e penteado e ainda tinha o cuidado de passar um "rouge" bem discreto no rosto e um batonzinho mais discreto ainda porque maquiagem era terminantemente proibida.

Vejam só como são as coisas, esses fatos que eu contei para vocês aconteceram em agosto ou setembro de 1968 quando morreu aquele estudante no restaurante Calabouço. A partir desses dias, o governo da revolução ficou bem mais agressivo, muita gente perdeu os seus direitos civis, muitos se exilaram, outros morreram torturados e eu feliz da vida no meu mundinho romântico. Essa violenta agressão que me deixou uma cicatriz (não é um corte e sim um emaranhado de veias, como se fosse uma varize) poderia ter me causado sérios danos emocionais, mas confesso que não me atingiu em nada. Mais importante do que a ditadura, era o sorriso de Luís Fernando.

Beijocas alienadas

Yvonne