Se todos os dias são iguais, torne-se diferente

Yvonne

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Brasileira, ariana nascida no Rio de Janeiro, morando atualmente em Guarapari, mulher, esposa e mãe. Gosto de artes em geral, de ler, de trocar idéias, de praia, de cinema, de tomar cerveja e de dar boas gargalhadas.

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OS POSTES DE BRASÍLIA



Amigos, estou sem inspiração. Aproveitei mais um texto escrito para um grupo do Yahoo em 2003 que estou dividindo com vocês:



1961, Brasília já tinha sido inaugurada no ano anterior. Meu pai, como um dos pioneiros que fez parte da equipe do Oscar Niemeyer, ganhou uma casa na Av. W3, um terreno no lago e um emprego na NOVACAP. O casamento dos meus pais já estava mal das pernas e eles, como última tentativa, resolveram se aventurar por Brasília. Em julho daquele ano fomos morar lá, seria uma experiência de 6 meses e caso desse certo, ficaríamos definitivamente. Nossos móveis ficaram no Rio, minha mãe teve asseguradas as matrículas da nossa escola, caso voltássemos.

Fomos nós 4 e mais um amigo do meu pai para revezar no volante. A viagem durou quase dois dias, hoje se faz em 20 horas. Até Minas Gerais foi mais ou menos agradável, o duro foi quando chegamos no estado de Goiás. É dureza você ficar olhando o cerrado por horas intermináveis. Até que quando estávamos para chegar em Brasília o meu pai deixou o rádio ligado para esperar que qualquer som surgisse. Nunca mais me esquecerei da música que tocou quando entramos na cidade - A summer place. Todas as vezes que ouço essa canção me recordo daquele dia. A medida que íamos nos aproximando, vi aqueles postes enormes e fiquei absolutamente encantada porque, além deles serem grandes e claros, não havia fio ligando um ao outro. Os do Rio eram baixinhos, escuros e cheios de fios. Hoje em dia eu sinto saudades dos postes antigos, eram mais bonitos.

Para nos recepcionar da melhor maneira possível, Brasília nos acolheu ao entardecer. Não acredito que exista no Brasil um por de sol mais lindo do que lá. Aquela cidade enorme, cheirando a novinha, sem um morro e com aquela luz toda no fim do dia. Que coisa! Ficamos todos encantados porque morávamos no Rio cheio de morros para tudo quanto é lado. O mais interessante é que eu me lembro nitidamente de ter tido para a minha mãe a seguinte frase: "Mãe, é lindo, parece o Aterro do Flamengo". Só que em 1961 ainda não existia o Aterro. Mas na minha imaginação, na minha fantasia, eu disse essa frase e foi uma coisa tão forte que eu acredito piamente nessa mentira. Acredito que ao ver o Aterro alguns poucos anos depois, eu devo ter pensado alguma coisa do tipo "É lindo, parece Brasília", mas o que vale para mim é o contrário.

Esse momento tão agradável foi um dos dois maravilhosos que tivemos lá. O segundo foi exatamente o dia em que fomos embora. O resto foi uma coisa muito chata. Para começar não teríamos mais o Teatrinho Troll aos domingos (só quem foi criança naquela época é que sabe o que isso significa), meus amiguinhos ficaram todos, mudei de escola, o meu irmão como estava no pré-escolar ficou 6 meses sem estudar. A cidade era um barro só, a meia da escola era preta e nós éramos obrigados a brincar quase sempre de tênis Bamba quando estávamos acostumados com as sandálias Havaianas. Minha mãe ficou craque em limpar nos nossos pés com bombril. Ela fazia uma trouxinha de bombril envolvida com algodão e literalmente areava os nossos pés que eram constantemente vermelhos.

Brasília tinha tudo para agradar uma criança naquela época, um espaço sem fim para brincar. Na quadra em que morávamos tinha parque para patinar, jogar qualquer esporte. Eu estudava em duas escolas, pela manhã a Escola Parque que era somente para brincar, fazer teatrinho, praticar esportes, fazer trabalhos artísticos, etc. (acho que era um projeto do Darcy Ribeiro. Acho, não estou certa). De tarde tinha escola para estudar propriamente dito. Todo santo dia cantávamos o Hino Nacional antes de entrar na sala de aula. Tudo era muito bom, mas ainda assim não me agradava, acho que era a tristeza do final de casamento.

Nossa casa era a única mal tratada da quadra, minha mãe nunca ligou para nada disso e sabendo ainda que era só um período de experiência, menos ainda cuidou da casa. Todas elas tinham jardim na frente cheio de plantas e flores. A nossa só tinha uma única plantinha horrorosa do cerrado. Nossos móveis eram todos improvisados: estante de tábua e tijolo e por aí vai. De noite, nosso quarto parecia um hospital de guerra, ficava cheio de bacias com água para aliviar o clima seco. Em 6 meses, tive 4 desidratações. No final já estava ficando mais esperta e vivia com uma garrafinha de plástico com água para beber enquanto eu brincava. Acho que deveria beber uns 10 litros de água por dia. Se não fosse assim, adoecia. A noite a família inteira usava creme hidratante após o banho. E quando ventava? As crianças eram obrigadas a sair correndo para entrar dentro de casa. O vento trazia um barro vermelho que simplesmente sujava tudo. Tínhamos que tirar a roupa do varal as pressas, entrar em casa e fechar todas as janelas. Caso contrário, ficava tudo vermelho. Meu Deus!

Até que teve um dia que um parente de uma vizinha veio do Rio, trouxe uns discos e colocou na varanda da casa. Tocou o Hino do Botafogo, do Flamengo, Cidade Maravilhosa, um montão de sambas e bossa nova. Minha mãe se virou para o meu pai e disse que iríamos embora. Era tudo o que ele queria. Largou o emprego, trocou o terreno no lago por um carro (Até há pouco tempo minha mãe lastimava essa terrível troca. Os terrenos em volta do lago custam uma verdadeira fortuna.) e deixou a nossa casa para os meus avós morarem.

Voltamos a tempo de ainda passarmos o Natal no Rio, no mesmo apartamento em que morávamos, com nossos móveis. Que maravilha estar em casa, com nossos parentes, nossos brinquedos que não puderam ser levados, com uma infinidade de outros que ganhamos no Natal, nossos amigos e o Teatrinho Troll com Norma Blum, Roberto di Cleto e Zilka Salaberry como a eterna bruxa. O hábito de beber 10 litros de água por dia teve que ser abandonado, pois de noite fazia xixi na cama, mesmo com 7 anos. Os meus pés e do meu irmão ainda levaram algum tempo para ficar da cor normal. Já não ficava mais apreensiva quando ventava e aos poucos fui esquecendo Brasília. Voltei lá em diversas outras vezes e a cada vez a cidade ia melhorando, mas nunca me acostumei com o clima seco. Na última vez em que lá estive, eu simplesmente não conseguia fazer nenhum passeio a pé, passava mal com falta de ar e cansaço. Eu não tenho nenhum problema pulmonar, mas acostumada a viver no nível do mar com um clima extremamente úmido, fica muito difícil qualquer coisa diferente.

Todas as nossas experiências de vida são válidas, mas confesso que dessa eu não gostei muito, tinha uma infinidade de coisas boas em Brasília, mas nunca me interessei por nenhuma delas. Talvez tenha sido pelo eterno clima de acampamento, nada era definitivo, era tudo "em vias de". Caso tivesse havido uma ruptura com a vida que levávamos antes, teria sido melhor, mas não foi o que aconteceu.

Bom, amigos, mais uma vez dividi com vocês uma outra fase da minha vida. Não vou escrever um livro de memórias porque a minha vida é muito banal, mas existem alguns períodos que me marcaram muito e esse foi um deles.

Beijocas

Yvonne