Um dia desses estava conversando com uns amigos e lá pelas tantas alguém falou algo sobre o que é ser carioca. Apesar de ter falado algumas coisas, fiquei pensando sobre o assunto. Para começar, para ser carioca não é necessário nascer em nossa cidade. Para ser carioca, é preciso ter um determinado estado de espírito que às vezes um nativo vive aqui por toda a sua vida e não aprende nunca.
Eu, apesar de ser uma fanática pela minha linda cidade, não poderia de forma alguma servir de modelo para o que é ser carioca, faltam algumas pequenas características que eu não tenho, mas não me importo, para mim, o que vale é o grande amor que eu tenho pelo Rio. Isso me basta.
Mas quais pessoas famosas que eu poderia dizer que são cariocas? Várias delas: Ferreira Gular (maranhense), Fernando Sabino e Ziraldo (mineiros), Alcione (maranhense), Júnior-jogador do Flamengo (paraibano), Maitê Proença (paulista), Djavan (alagoano) e mais Regina Casé, Luis Fernando Guimarães, Betty Faria, Patrícia Travassos, Evandro Mesquita, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Jorge Aragão, Paulo Zulu, Fernanda Abreu e tantos outros da gema ou nascidos em outros estados.
Ser carioca é saber transitar de um ambiente ao outro com total desenvoltura, pois vivemos em uma cidade promíscua onde as pessoas de uma determinada tribo se relacionam com outras que não tem nada a ver com aquilo que elas acreditam. É ir a um restaurante na beira da praia às 9h da noite e encontrar um grupo de pessoas vestidas de sunga, biquíni e shortinho que ainda estão tomando o chope que começou às 4 da tarde. É ser dono de uma simpatia sem limites que adora receber bem todos que aqui chegam.
É fazer gozação com a própria desgraça. É não ter vergonha de mostrar as suas mazelas. É se sentir profundamente infeliz porque está chovendo no final de semana. É ser ridículo ao ponto de bater palmas para o sol quando este se põe. É ter um determinado olhar para a vida que só quem mora aqui percebe.
Eu conheço 3 figuraças que posso dizer tranqüilamente que são cariocas da gema: um inglês e duas francesas. Não sei seus nomes e nem que apito eles tocam. Só posso dizer que moram no Flamengo e podem ser encontrados a qualquer momento ou lugar.
O inglês tem em torno de 30/35 anos e vive andando de bicicleta com seu rabo de cavalo louro e um par de olhos azuis lindos. Está sempre falando com alguém, inclusive camelôs, pessoas humildes, senhoras, adolescentes, qualquer pessoa. Um dia desses estava caminhando e ele estava ao longe. Atrás de mim, dois rapazes gritaram: Ô Inglês! Ele deu um sorriso e um tchau de longe. E esses rapazes começaram a falar que passaram um sábado com ele em um churrasco com pagode em um clube em Belfort Roxo. Nossa mãe! Mais carioca impossível. Morar no Flamengo e passar um dia na Baixada Fluminense num pagode é qualquer coisa. Por essa razão, fiquei cheia de carinho pelo inglês e agradeci mentalmente a ele pelo fato de ter feito opção pela minha terra e se sentir tão entrosado nela. Ele soube captar o espírito da cidade.
Já as francesas são iguais ao inglês, lourinhas e de olhos claros inclusive, se dão com todo mundo, caminham pelo Aterro conversando com todos, esbanjam a maior simpatia, tomam cerveja em pé em boteco de quinta categoria e vão levando a vida. No reveillon do ano passado, as duas estavam abraçadas com um negão dançando na maior alegria. Ninguém entendeu nada, mas para que entender? Para elas, o que importa é a bagunça e, com certeza, o Rio tem esse atributo.
Através dessa minha mensagem, quero deixar aqui registrado o meu carinho por todos que aqui nasceram e principalmente a todos que adotaram a minha cidade que, apesar de tão maltratada, continua sendo maravilhosa.
Texto publicado em 22.08.2003, no blog Levanta, Rio!
|